Tenho um amigo, o Edinho… e irmão de alma do Celso. Eles eram daqueles parceiros de infância que o tempo não separa, só transforma em lenda. E sempre que o Celso vinha tocar em Volta Redonda ou pelas redondezas, lá estava o Edinho, fiel como fã e amigo, firme no rolê.
Nos encontros de moto de VR, era batata: Edinho aparecia todo garboso, nos tempos do lendário Hamilton — presidente do Falcões de Aço Motoclube — montado na sua Harley Davidson invocada, daquelas que roncam mais alto que pensamento ruim. E adivinha quem estava no palco nesse dia, rasgando solos e corações? Ele mesmo, o Celso Blues Boy.
E lá estávamos eu e Edinho, com cerveja na mão e olhos brilhando enquanto o Celso fazia o que sabia de melhor: hipnotizar plateias com sua guitarra e sua voz rouca de poesia e estrada.
Embalada pelo som e pelo álcool, resolvi confessar:
— Edinho, preciso te contar... sou apaixonada pelo Celso desde criança!
Contei das tardes em que meu primo Márcio Sibucks dedilhava no violão as músicas do Celso, enquanto a gente cantava “Fumando na Escuridão” como se fosse hino sagrado de uma geração perdida.
Edinho me olhou, com aquele sorrisinho de quem vai aprontar:
— Ô, Cíntia... quer conhecer o Celso?
Eu congelei.
— Como assim, Edinho? Tá falando sério?
Mas o Edinho já estava pra lá de Bagdá, bêbado de cerveja e nostalgia, naquele jeito dele de quem parece que tá zoando... mas às vezes não tá.
Fim do show. Ele me puxa pela mão e diz:
— Vem. Vamos lá conhecer o Celso.
Achei que era zueira. Que era mais uma do Edinho.
— Tem certeza disso? — perguntei, ainda tentando entender aonde aquilo ia dar.
— Só vem, Cíntia.
E fui. Fomos. Nos embrenhamos pelos bastidores da Ilha São João, passando por seguranças, staff, gente indo e vindo, até que ali estava ele: Celso. Sentado numa poltrona, exausto, derretendo de suor, segurando uma cerveja como quem segura um troféu.
Edinho largou minha mão e foi até ele. Parou. Cruzou os braços e ficou só olhando.
Celso levantou devagar, como quem acorda de um sonho, arrastou os pés e soltou um berro:
— SEU FILHO DA PUTA!!! ACHEI QUE VOCÊ NÃO IA APARECER!!!
Abraço de urso. De alma. De quem sobreviveu a tudo, menos à saudade. Eles se agarraram, se xingaram, riram com os olhos marejados, enquanto eu só observava — paralisada, sem saber onde colocar as mãos, o corpo ou o coração.
Então Edinho se lembrou de mim:
— Ô Celso, trouxe alguém pra te conhecer. Essa aqui é a Cíntia. Locutora da melhor rádio de rock do Sul Fluminense. Sua fã.
Celso me olhou, pegou meu rosto com aquelas mãos quentes, olhar manso:
— Cíntia? Nome de uma das minhas sobrinhas. Que prazer te conhecer, Cíntia. Vamos beber?
Me abraçou de lado, com o braço em torno do meu pescoço, a mão pendendo no meu ombro, apontou pra mesa cheia de petiscos, frutas, cerveja no freezer:
— Sirvam-se! Hoje esse camarim é de vocês!
Ficamos ali. Bebendo, conversando, rindo. Ele contando os perrengues do show — retorno ruim, corda arrebentada — e a gente jurando que nem tinha notado. Falamos de rádio, de estrada, do passado. Ele e Edinho relembraram noites épicas no Circo Voador, sucessos dos anos 80, histórias que não cabem em setlist nenhum.
Saí de lá meio tonta. Pela cerveja? Talvez. Mas muito mais pela emoção.
Foi tudo tão surreal que até hoje, sem uma foto sequer pra provar, o que me resta é escrever. Registrar com palavras o que o coração viveu. Pretendo publicar esse texto no meu blog, parado há tempo demais — porque essa lembrança não pode ficar guardada só em mim.
Saudades, Celso.
Saudades também do Edinho, que hoje está doentinho, sendo cuidado com carinho numa casa de repouso em Barra Mansa.
As melhores lembranças a gente não posta. A gente carrega.
No peito.
Pra sempre.
(Vou achar uma foto nossa pra colocar aqui, minha com o Edinho)