Desde que entrou em cartaz a exposição "Anita Malfati - 120 Anos" - uma ampla retrospectiva sobre a obra dessa paulistana - estou tentando escrever sobre ela e postar. Mas encontrei tanta coisa, tanta informação que decidi esperar um pouco e preparar com calma uma boa postagem. Acontece que a exposição acabou e eu esqueci de finalizar meu texto, deixei ele rascunhado e ele ficou lá esquecido entre as outras postagens. Então hoje decidi criar vergonha na cara e dividir logo com vcs essas informações sobre essa preciosadade que é ter Anita Malfati como uma das principais artistas brasileiras.
Bjs
Cintia
- - - - - - - - - -Pela qualidade dos traços, e também pela importância histórica, chama atenção o delicado quadro "Burrinho Correndo" de 1909 (foto). Trata-se de um óleo sobre tela pintado pela artista aos 9 anos de idade e assinado com seu apelido de infância: Babynha.
O mesmo espaço, abrigou quadros-ícones da produção de Anita como "O Farol", "A Ventania", "A Boba", "A Onda", "Nu Cubista" e "Ritmo (Torso)", raramente apresentados lado a lado. No acervo ainda sobressairam retratos de amigos como Mário de Andrade, Tarsila do Amaral, Oswald de Andrade e Menotti del Picchia - seus companheiros do Grupo dos Cinco, na Semana de Arte Moderna de 1922.
Anita nasceu em 1889 em São Paulo, com atrofia no braço e na mão direita. Aos três anos de idade foi levada pelos pais a Lucca, na Itália, na esperança de corrigir o defeito congênito. Os resultados do tratamento médico não foram animadores e Anita teve que carregar essa deficiência pelo resto da vida. Voltando ao Brasil, teve a sua disposição Miss Browne, uma governanta inglesa, que a ajudou no desenvolvimento do uso da mão esquerda e no aprendizado da arte e da escrita.
"A Boba" - 1915/1916, óleo sobre tela, 61 x 50,6 cm Coleção Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (SP) |
"Tropical" - 1917, óleo sobre tela, 77 x 102 cm Acervo Pinacoteca do Estado de São Paulo/Brasil |
Ali ela vivenciou a arte diretamente e pode conhecer artistas e a arte de grandes mestres como Van Gogh. Se interessou pela arte expressionista e começou a ter aulas, porém, com a instabilidade causada pela aproximação da guerra, Anita Malfatti resolve deixar Berlim.
São Paulo, 1914, Anita tinha 24 anos e, com mais de 4 anos de estudo na Europa, finalmente voltava para o seio familiar. A cidade crescia, mas o ambiente artístico ainda era incipiente, o gosto de arte predominante ainda era acadêmico. Ao mostrar suas obras - nada acadêmicas - Anita tentava explicar os avanços da arte na Europa, onde os jovens haviam levado às últimas consequências as conquistas vindas do impressionismo.
"A Estudante" - 1915/1916 - óleo sobre tela, 76 x 61 cm Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (SP) |
O senador José de Freitas Valle foi visitar a exposição. Dependia dele a concessão da bolsa. Mas o influente político não gostou das obras de Anita, chegando a criticá-las publicamente. Entretanto, independentemente da opinião do senador, a bolsa não seria concedida. Notícias do iminente início da guerra, fizeram com que o Pensionato as cancelasse. Foi aí que, mais uma vez, financiada pelo tio, o engenheiro e arquiteto Jorge Krug, Anita embarca para os Estados Unidos.
"O Farol de Monhegan" - 1915, óleo sobre tela, 46,5 x 61 cm Coleção Gilberto Chateaubriand - MAM-RJ |
"A Onda" - 1915/1917, óleo sobre tela 26,5 x 36 cm, Coleção Sergio Sahione Fadel |
Então, aos 27 anos, a pintora estava de volta ao Brasil, adulta e madura, sentindo-se suficientemente segura para expor sua nova concepção de arte, voltada para o Expressionismo. Fiando-se nos comentários favoráveis de amigos e, particularmente, do crítico Nestor Rangel Pestana, assim como nas palavras de incentivo de modernistas como Di Cavalcanti e outros, Anita não hesitou em alocar um espaço nas dependências do Mappin Stores, na rua Líbero Badaró, onde, em 12 de dezembro de 1917, realizou uma única apresentacão de seus trabalhos.
Ninguém, nem mesmo o mais experiente frequentador do mercado de arte, poderia prever o tiroteio que seria disparado contra a jovem pintora, vindo, não das hostes inimigas, mas das trincheiras amigas, justamente das mãos de um renovador, o escritor Monteiro Lobato (1882-1948). Ele fora, desde o início de sua carreira, um pré-modernista. Irritado com os padrões oficiais de educação e cultura, desvinculou-se das normas padronizadas da literatura, criando um estilo livre, avançado, valorizando a cultura nacional e discutindo temas voltados internamente para os problemas brasileiros. Foi uma reação inesperada, que espantou até os que conheciam o destempero do escritor, e inexplicável, pois sua editora havia publicado há pouco tempo um livro do modernista Oswald de Andrade, cuja capa fora desenhada justamente por Anita Malfatti.
"Retrato de Lalive" - 1917, óleo sobre tela, 90,5 x 76,5 cm Acervo Artístico-Cultural dos Palácios do Governo do Estado de São Paulo |
Em artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo, Monteiro Lobato criticou duramente a exposição e em consequencia houve um verdadeiro estrago sobre a personalidade tímida e irresoluta de Anita, que caiu em forte depressão, vivendo um período de desorientação total e de descrença, um sentimento que carregou pelo resto da vida. Sua primeira reação foi o abandono total à arte. Depois, passado um ano, dando uma guinada de 180 graus, foi tomar aulas de natureza-morta com o mestre Pedro Alexandrino Borges (1856-1942), ocasião em que conheceu Tarsila do Amaral, início de uma longa e proveitosa amizade.
Incentivada pelos amigos, participou da Semana de Arte Moderna de 1922 e, no ano seguinte, com uma bolsa de estudos, viajou a Paris, onde se encontrou com Tarsila, Oswald, Brecheret e Di Cavalcanti. De lá voltou, com a confiança recuperada, mas disposta a não se atirar em novas aventuras.
"Itanhaém" - 1948/1949, óleo sobre tela, 72 x 92 cm Coleção Particular |
A exposição de 1917 se deu em momento errado, no local errado e com a pessoa errada. As críticas de Lobato não se dirigiam a ela mas aos modernistas, com quem o escritor tinha um ajuste de contas. Anita Malfatti se viu no meio do tiroteio e foi atingida mortalmente. Considerada por Pietro Maria Bardi como a maior pintora brasileira, ela jamais se recuperou do golpe sofrido. Como diria mais tarde Mário de Andrade: "Ela fraquejou, sua mão, indecisa, se perdeu".
Anita, retrato de 1930 |
Já com idade madura, Anita mudou-se, com sua irmã Georgina, para uma chácara em Diadema (SP), onde morreu em 6 de novembro de 1964, alienada do mundo, cuidando do jardim e vivendo seus próprios devaneios.
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Que coisa né! A vida desses artistas! Estar no lugar errado, na hora errada, é de amargar! E como isso acontece na vida! Parece que a pessoa já vem ao mundo com esse carma. Mas sabe o que me incomoda mais? É o reconhecimento pos-morte. Puxa vida, a principal interessada não obteve nenhuma gratificação! Foi a mesma coisa com Van Gogh. Mas, fazer o quê? Eu já vi algumas obras dela, mas não sabia nada de sua vida. Adorei saber. Bjssssssss
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